Bem ao
norte, longe da cidade, existia um bosque. Com árvores frondosas e relva verde,
sua beleza exuberante se destacava naquela paisagem, já marcada pelo homem e
seus danos à natureza.
Em seu interior havia uma única
casa, habitada por aquele a quem chamavam "Dono do Bosque".
Pouco se sabia sobre aquele
solitário morador. Contavam que nascera ali mesmo, na casa de madeira
construída pelos pais. Meses antes do nascimento, seu pai escolhera uma das
árvores, a derrubara, e fizera, com as próprias mãos, um pequeno berço. Depois
de pronto, o trouxera para dentro de casa para que a esposa o preparasse para o
filho que esperavam. "O berço é o primeiro acolhimento após o ventre da
mãe", dissera ele, orgulhoso pelo trabalho.
O menino cresceu sem outros
amigos, e sem sair dos limites das grandes árvores.
Na adolescência perdeu a única
família que tinha conhecido: primeiro o pai, atingido pela queda de uma das
árvores durante uma ventania, e, poucos meses depois, a mãe adoeceu gravemente
e também veio a falecer.
Ambos foram enterrados por ele,
no pequeno jardim que a mãe havia
amorosamente plantado e cuidado a vida inteira.
Desde então, vivia com recursos do
próprio bosque e, mesmo sozinho, desenvolveu habilidades e conhecimentos.
Acompanhava a troca das estações pelas mudanças das folhas ou pelo vento que
soprava, e percebia o ciclo da vida pelos próprios animais que observava:
filhotes que cresciam, fêmeas que reproduziam, magníficos pássaros que fugiam
sem que ele pudesse evitar.
Nunca buscou outras companhias, e
na segurança do seu lugar conversava com os pássaros e outros animais. Diziam
que costumava abraçar as árvores, ficando unido ao troco por longos minutos, em conversas e preces que só ele compreendia.
Conhecia cada trilha, cada
clareira, e percorrera toda a extensão do riacho, com os pés descalços na água
fria e límpida.
Guardava
na memória todas as tempestades e ameaças que o bosque sofrera, como aquele
grande incêndio alguns anos antes, apagado com a chegada milagrosa de uma chuva
que durou três dias.
No entanto, diferente das belas
árvores, que renovavam as folhas a cada estação, a natureza não poupou o dono
do bosque das agruras de envelhecer.
A cada inverno ele foi se sentindo mais fraco e doente, e já não
percorria as trilhas entre as árvores. Também não conseguia se deitar, como
antes, sobre as folhas no chão, nos dias de Outono. E quando chegava a
primavera, já não tinha forças para chegar ao outro lado do bosque, para ver os
ninhos dos pássaros ou as flores daquele ano.
Acostumou-se então a ficar à
sombra de um grande carvalho, bem próximo ao riacho, de onde podia observar a
entrada do bosque. Não que esperasse alguma visita, mas por sentir necessidade
de estar entre todas aquelas árvores.
Tinha arrastado uma velha cadeira
de braços largos, e nela se sentava por horas, com os pés tocando a terra fria.
Ao seu lado, sobre uma pedra, deixava sempre o livro predileto, já gasto de
tantas releituras.
Foi então, muito tempo depois, que
em um dos mais quentes verões de que se teve notícia, que algumas
pessoas resolveram se aventurar pelo bosque, à procura de um lugar mais
agradável que as ruas quentes da cidade.
Se espalharam pelas trilhas,
falando alto e espantando pássaros e pequenos animais.
Atravessaram o riacho e viram uma pequena casa, já gasta pelo tempo, e com aparência de abandono.
Atravessaram o riacho e viram uma pequena casa, já gasta pelo tempo, e com aparência de abandono.
Curiosos, caminharam até um par
de árvores que se destacavam das outras. Um grande e velho carvalho, que
sombreava a maior parte do terreno, e ao seu lado, uma outra um pouco menor, de
madeira clara e galhos curtos, cobertos de folhas e pequenas flores.
A composição, do tronco e galhos,
provocava uma estranha imagem, que surpreendeu a todos. Observando melhor,
compararam o que viam a figura de um homem sentado, que aproveitava a sombra do
carvalho para uma leitura ao fim da tarde.
O que eles nunca souberam, foi
que o dono do bosque se tornara definitivamente parte dele. Os pés tinham
criado raízes profundas e fortalecido o corpo, que se tornou cerne, e
aqueles braços que antes abraçavam
árvores agora eram galhos com folhas e flores, que abrigavam os novos ninhos de
outros pequenos passarinhos que em breve povoariam o bosque.