31 maio, 2021

O Reencontro

 Nunca tinham se falado pessoalmente, mas se reconheciam há vários meses, por olhares e gestos.

As janelas, uma em frente à outra, separadas pela pequena praça sem árvores, davam ampla visão de seus espaços.

Conheciam todas as rotinas, horários e gostos um do outro.

Ela tomava café em uma vistosa caneca amarela, todas as manhãs, e lhe acenava desejando bom dia. Mais tarde, ele a via colocar o mesmo cachecol, e sair apressada para o trabalho.

Então ele se sentava em frente à escrivaninha, e escrevia durante horas. Pouco antes do fim da tarde vigiava o movimento pela praça: a velha senhora com o cachorro, a mãe com o carrinho de bebê, os estudantes que retornavam da escola. Sabia que ela não demoraria a chegar.

E quando já era noite, ele se sentava para admirar a inquieta vizinha.

Acompanhava divertido a aula de ginástica em frente à TV, o retornar do banho enxugando os cabelos, e o sorriso encantado - como gostava daquele sorriso - quando se via observada.

Ambos se serviam de taças de vinho tinto e desfrutavam da companhia um do outro, à distância. Ela mostrou o livro de cabeceira, e ele o maço de folhas escritas para seu próximo livro.

Ela queimou o assado, ele riu da fumaça que invadiu a sala.

Ele tropeçou no sofá, mas foi ela que soltou um grito de dor.

Durante muito tempo colecionaram cumplicidades assim, sem se atreverem a dar o primeiro passo em direção ao outro.

Mas o verão chegou, com um convite para que o casal se sentasse naquele banco da praça, de mãos dadas. Tinham muito o que conversar.