04 fevereiro, 2016

Amigos

Era um dia quente, e o sol forte tornava ainda mais cansativa a tarefa de Bento. Dirigindo o trator, em lento vai e vem, ele sentia o suor lhe banhar o rosto, enquanto arava o solo fértil e promissor da sua fazenda, à margem do rio.
Trabalhava sozinho, concentrado, sem se importar com mais aquele domingo sem descanso. Não queria atrasar-se, para que a terra já estivesse pronta quando a primeira chuva caísse, então ele poderia se sentar na cadeira da varanda e assistir, tranquilamente, o brotar da plantação, resultado do seu esforço. 
Tinham sido anos de muita dedicação, desde que usara todas as usas economias para comprar aquela fazenda. José Pedro, seu amigo, a tinha recebido de herança dos pais, e logo no mesmo mês se propusera vende-la, em troca da liberdade de partir para cidade grande, e deixar a pequena cidade do interior. 
Depois do negócio feito, ele correra pela estrada de terra até a fazenda vizinha, ansioso para contar à companheira de infância, mas ela também partira e ele ficara ali, mudo de tristeza e com o coração partido.
A grande decepção o tornara mais resistente e forte, com o coração fechado para qualquer sentimento que não fosse a vontade de trabalhar a terra, e faze-la produzir cada vez mais. Evitava outras companhias, e só procurava os vizinhos quando necessitava de alguma ajuda nas mais tarefas difíceis da fazenda. Aos poucos, esses contatos também deixaram de acontecer, já que os nomes dos antigos amigos eram sempre mencionados nas conversas pela cidade, e então ele logo se afastava.
A amizade entre os três tinha começado na infância, nas brincadeiras nos pomares, nas aventuras pelas ruas da pequena cidade, nas salas de aula que compartilharam, e nas longas conversas, à margem do riacho da região.  
Nas fantasias infantis, cada um era seu próprio herói: José Pedro seria um doutor muito rico, que teria um carro grande e brilhante, e viajaria de avião pelo mundo, para ajudar as pessoas de todos os lugares. 
Bento planejava ter a maior fazenda da região, com plantações a perder de vista e uma casa muito bonita, onde viveria com a moreninha mais linda do mundo: Rosinha. 
Já ela, sem saber dos planos do amigo, sentada no balanço e trançando os cabelos com ar sonhador, imaginava os lindos vestidos que iria vestir, no palácio em que viveria com seu grande amor, que a levaria para a cidade grande, em algum dia de verão, no futuro. 
Eram lembranças que acompanhavam Bento havia muitos anos, e tinham feito dele um homem calado, mas sensível e solidário.
Depois de algumas horas, desligou a máquina e caminhou na direção do rio, na intenção de se lavar na água límpida e fria. Junto da cerca parou surpreso: perto dali, aproveitando a sombra da mangueira junto ao riacho, Zé Pedro pescava tranquilo. 
Bento não se aproximou. De longe observou as roupas de bom corte, os sapatos mais finos e a expressão de prazer daquele amigo que nunca mais mandara notícias, mas que agora continuava parecendo inteiramente à vontade naquele lugar que frequentavam quando eram meninos. 
Olhou para suas próprias mãos empoeiradas e calejadas, as botinas gastas e sujas, e se escondeu. “Ele agora é um rico da cidade, não precisa trabalhar como eu e pode se divertir o dia todo”, pensou. 
Tímido como sempre, retornou ao trator, antes que o outro o visse e percebesse que mesmo sendo o dono da terra, ele nunca tinha sido feliz. O trabalho não lhe trouxera o que mais desejara em todos aqueles anos. 
Ao subir no trator, estava profundamente emocionado. Uma dor atingiu-o no peito, e percebeu que caía sobre a terra que tanto amava. Perdeu a consciência sabendo que não tinha medo de morrer ali. 
Zé Pedro, no entanto, sem ver o amigo, sentia uma alegria genuína, pescando como fazia na infância. Nos últimos meses vivia em constante tensão, à procura de trabalho, para que pudesse manter a família. Tinha passado por outras cidades, mas acabara propondo à Rosinha que voltassem ao lugar onde tinham crescido, e tentassem retomar suas vidas. 
Durante todo aquele dia havia percorrido a fazenda que fora sua, mas sem coragem de procurar o velho amigo. Como iria contar a ele dos gastos impulsivos, que tinham acabado com tudo que ele levara? Deslumbrado com a cidade grande, tinha deixado de lado os estudos e o sonho da medicina, vivendo de empregos temporários, ganhando pouco e com muitos gastos, até que todo dinheiro acabara.
E como falaria de Rosinha, que fora o amor secreto de ambos? Ainda se lembrava do dia em que lhe mostrara o dinheiro recebido pela venda da fazenda, e lhe fizera o convite de leva-la junto com ele para longe. Intencionalmente, não lhe dera tempo para pensar melhor, desenhando o sonho de uma vida nova e confortável para ambos. Quando ela mencionou o nome de Bento, ele disse que já tinha se despedido   e não o veriam de novo.
Ela acreditara e tinham sido felizes por um tempo. Mas depois de tantas dificuldades, aceitara voltar. Tinha a esperança de um recomeço ainda incerto, e quem sabe um lugar para morar, mas perdera o sorriso junto com os sonhos. Passava os dias cuidando do filho pequeno, Antonio, e a possibilidade de cria-lo onde ela mesma fora criada, mesmo sem luxos, já não lhe soava tão ruim.
Com esses pensamentos, Zé Pedro ficou por ali mais algum tempo, até que a proximidade do fim do dia o alertou para voltar. Ao se levantar, porém, uma cena lhe chamou à atenção: o trator, ainda ligado, continuava parado no meio do terreno. “Algo está errado”, pensou. Sem saber explicar porque, correu até lá, sentindo o coração acelerado e preocupado.
Encontrou Bento desmaiado, muito pálido naquele chão revolvido e seco. De imediato trouxe uma água fresca, que ofereceu ao amigo, chamando-o insistentemente sem conseguir reanimá-lo.
Sem perder tempo, levantou o amigo nos ombros e com dificuldade o levou até a casa, pedindo a um vizinho que passava para que trouxesse o médico da cidade.
Nos dias que se seguiram, enquanto Bento se recuperava, Zé Pedro trabalhou a terra sem descanso. E quando por fim as chuvas chegaram, ajudou o amigo a chegar até a varanda, e juntos contemplaram o serviço pronto.
O reencontro trouxe uma vida nova aos três amigos. Depois de um abraço contido, abriram o coração para a antiga amizade.
Zé Pedro aceitou com humildade o emprego que Bento lhe ofereceu, e ambos passavam os dias nos trabalhos da fazenda. Juntos também reformaram uma pequena casa na cidade, para que o casal morasse até poder comprar uma outra.
Rosinha fazia e vendia doces para a quitanda, e aos poucos refez amizades pela cidade. Nunca soube dos sentimentos do Bento no passado, e sentia enorme gratidão pela ajuda do amigo. Trocara os sonhos adolescentes pela vida de esposa e mãe, e se divertia contando ao filho as aventuras dos três amigos na infância.
Aos domingos, ela preparava uma cesta com bolos e frutas, e junto com Zé Pedro e o filho se encontravam com Bento sob a velha mangueira à beira do rio. Lá colocavam uma manta sobre o capim e faziam um piquenique que durava a tarde toda. Enquanto os homens pescavam, Rosinha colocava o pequeno Antonio no antigo balanço e o ensinava a brincar. 
Foi em uma dessas tardes, que anunciaram a Bento que seria o padrinho do garoto, selando uma amizade que tinha sido capaz de resistir ao tempo e às desventuras da vida...

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