14 fevereiro, 2015

O Presente


Depois dos filhos criados e casados, e vendo a velhice chegar, Tio Zé e Tia Fia passavam os dias entre os trabalhos na pequena fazenda, e as poucas visitas aos vizinhos.
Há tempos a filha mais velha tinha se mudado com o marido para o nordeste, e  o  filho caçula, temporão que Deus mandou, trabalhava na cidade grande, e vinha uma vez por mês. Nesses dias, trazia sempre um agrado, alguma novidade da cidade para facilitar a vida da mãe, ou algo que alegrasse a solitária vida dos pais.
Quando soube que a energia elétrica rural enfim tinha chegado por lá, gastou todo o seu salário no melhor de todos os presentes: uma televisão novinha, que depositou orgulhosamente na mesa da pequena sala da casa. O mais difícil foi instalar a antena no telhado, com subidas e descidas sem fim, até acertar a imagem. Quando terminou, abraçou os pais e partiu apressado, a tempo de pegar a condução de volta para a cidade.
Nos dias que se seguiram, os vizinhos pouco viram o velho casal. As visitas noturnas já não aconteciam, e na quermesse da igreja daquele mês ninguém provou os deliciosos biscoitos da Tia Fia, na barraca das quitandas.
 Essas mudanças seriam de preocupar, mas o filho do Senhor Onofre, Zequinha, garoto esperto e falante, tinha tranquilizado a todos, ao contar que via os tios sempre, ao voltar da escola. “É verdade, gente, eu vejo eles sentados lá na frente da casa, e não estão doentes não”, explicou.
Mas com o passar do tempo, um fato estranho lhe chamou a atenção: notou que os dois velhos se sentavam de frente para a porta da casa, e costas para a estrada, e por isso nem viam quando ele passava. Preocupado, um dia tentou chamá-los do portão, mas não foi ouvido pelo casal, distraído com algo que acontecia na sala.
Até que em determinado dia resolveu abrir o portão da fazenda do Tio Zé e, sem ser convidado, ir ter com eles, para um pouco de prosa.
Estavam sentados a uma grande distância da porta da casa, no jardim, e assistiam curiosos um programa qualquer que passava na televisão, ligada no fundo da sala. Tia Fia se esforçava muito para enxergar a imagem, “talvez por causa da distância”, pensou o garoto.
“Bênção meus tios! Por que é que estão assistindo a televisão assim, de tão longe?”
“Deus o abençõe, meu filho!”
E puxando o braço do sobrinho, Tio Zé apontou o aparelho  na sala e explicou: “nosso filho deu essa máquina, e falou onde apertava para ligar e desligar...”
“Tá certo, tio”
“E  foi um  presente danado de bom esse!”
“Foi mesmo, senhor”
Fez uma pausa, para depois continuar em voz baixa:
“Mas a máquina fala muito alto, meu sobrinho, então eu e a Fia temos que sentar aqui fora, longe desses gritos...”
Zequinha então compreendeu tudo. Os tios não tinham idéia de como controlar o volume do aparelho, mas, encantados com a novidade, não queriam deixar de assistir um dia que fosse. De imediato, entrou na sala e mostrou o que fazer aos tios, contendo o riso para não envergonhá-los. Aproveitou também para mostrar outras utilidades dos controles, tendo paciência para repetir todas as vezes que o tio pedia. Na cozinha, Tia Fia preparou um cafezinho novo, e o biscoito frito que o sobrinho tanto gostava.
Depois disso, já acostumados com o presente do filho, as noites na fazenda se tornaram mais alegres. E a cada vez que o filho retornava, Tia Fia tinha uma infinidade de assuntos para comentar: coisas que tinha visto nas propagandas e programas, os filmes de amor que assistia durante as tardes, e, principalmente, as imagens dos lugares que nunca tinha visitado, mas que povoavam seus sonhos desde a juventude. Tio Zé ouvia todos aqueles relatos em silêncio, muito quieto, cauteloso como sempre tinha sido, diante daquelas novidades da cidade.

E quando chegava a noite, os vizinhos sempre apareciam, para assistir o capítulo da novela das sete...

(conto também publicado no Blog Sem Vergonha de Contar, de Helena Frenzel)

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