23 janeiro, 2015

Natal em Família

Clarice adorava o mês o do Natal.
Apesar da pouca idade, já percebia a movimentação e os preparativos por todos os lugares por onde passava.
Em casa, participava ativamente da decoração, escolhendo cada enfeite e dando pequenos gritos de alegria aos vê-los, um a um, sendo colocados pela mãe na grande árvore de Natal no canto da sala. Esta tarefa demorava mais de um dia, e ao final, quando as luzes eram acesas, a menina abria um sorriso de orgulho, com olhos brilhantes e sonhadores.
Sendo filha do dono da maior loja da cidade, tinha a oportunidade de ver as vitrines sendo preparadas, as ofertas de presentes cuidadosamente separadas em cada departamento, e acompanhava tudo com grande curiosidade: conversando com vendedores e andando o tempo todo por alí, curiosa e agitada. Ao fim do dia, voltava para casa no carro com o pai, comentando sobre as luzes coloridas das ruas, os enfeites e músicas, e as pessoas que via caminhando apressadas pelas calçadas.
Naquele dia o pai   lhe preparou uma surpresa: quando Clarice chegou à loja pela manhã conheceu pessoalmente o  “Papai Noel”,  que se oferecera para vir todos os dias, para  a sua alegria  e de todas as crianças na loja.
A partir de então, a garota passava horas perto daquele senhor velhinho, com roupa vermelha e botas escuras, e que escutava com atenção os pedidos das crianças que vinham à loja, se comprometendo a entregar a cada uma o presente sonhado na noite de Natal. Tornaram-se amigos, e quando não havia nenhum pedido a ser feito, ela mesma se sentava no colo dele e conversavam sobre a fábrica de brinquedos no Polo Norte, os pedidos daquele dia, ou onde estavam os anões e as renas do trenó.
O paciente senhor respondia a tudo com carinho, alimentando o sonho da criança, pela simples vontade de ver o brilho em seus olhos escuros, e a ansiedade que percebia no rostinho corado e feliz. Naqueles momentos ele se esquecia da própria vida, e das saudades do único filho que teve, mas de quem tinha se afastado há muitos anos. Ao final de cada dia de trabalho, voltava para o asilo onde morava, se encolhia na estreita cama, e antes de cair em sono profundo se lembrava da garota, e das conversas do dia. Algumas vezes levava consigo biscoitos e doces que ela havia lhe dado, incapaz de resistir aos apelos para que entregasse aos pequenos fabricantes de brinquedos que deviam estar trabalhando muito para o Natal...
Na véspera do grande dia, Clarice entrou no escritório do pai com rostinho sério, e contou sua aflição: o Papai Noel havia contado que só se reencontrariam no próximo ano, quando chegasse de novo o Natal. A tristeza da menina era evidente, e o pai percebeu que a menina se afeiçoara ao empregado, na ilusão infantil de que se tratava realmente do famoso personagem. Incapaz de negar-lhe qualquer alegria, prometeu à filha o que convidaria para a Ceia com a família, e conversariam para ele a visitasse sempre durante o ano.
E assim foi feito, Papai Noel foi o convidado de honra daquela noite tão especial para Clarice. Ele chegou por último, alegando que teve de fazer algumas entregas pelo caminho, para que a menina não soubesse que tivera de vir caminhando, e que sentia dores nas pernas pelo esforço.
Após o farto jantar, e a alegre distribuição de presentes, Clarice se aproximou timidamente do amigo com um pequeno embrulho. Emocionado, o velho deixou que ela enrolasse em seu pescoço o cachecol que comprara especialmente para ele, e deixara juntos com todos os outros presentes até aquele momento. O pai a lembrou que no Pólo Norte era muito frio, e com certeza o presente seria usado sempre.
Surpreendendo a todos, Clarice argumentou que o presente seria usado quando Papai Noel voltasse a ser o seu avô, na casa onde morava sozinho. E para explicar o que dizia, correu até a estante e escolheu um porta retrato entre os vários ali, com a fotografia onde se via seu pai, ainda jovem, ao lado de um senhor mais velho, que diziam ser o seu avô.
“Mas como pode ser?” perguntou o pai da menina.
Lágrimas escorriam pela face do velho senhor, pela descoberta do seu segredo, tramado para que pudesse estar um pouco mais perto do filho e neta, embora eles não soubessem.
“Como você descobriu, minha criança?”
“Foi o meu pedido de Natal, eu queria ver o meu avô!”






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