Clarice adorava o mês o do Natal.
Apesar da pouca idade, já percebia a movimentação e os
preparativos por todos os lugares por onde passava.
Em casa, participava ativamente da decoração, escolhendo cada
enfeite e dando pequenos gritos de alegria aos vê-los, um a um, sendo colocados
pela mãe na grande árvore de Natal no canto da sala. Esta tarefa demorava mais
de um dia, e ao final, quando as luzes eram acesas, a menina abria um sorriso
de orgulho, com olhos brilhantes e sonhadores.
Sendo filha do dono da maior loja da cidade, tinha a
oportunidade de ver as vitrines sendo preparadas, as ofertas de presentes
cuidadosamente separadas em cada departamento, e acompanhava tudo com grande
curiosidade: conversando com vendedores e andando o tempo todo por alí, curiosa
e agitada. Ao fim do dia, voltava para casa no carro com o pai, comentando
sobre as luzes coloridas das ruas, os enfeites e músicas, e as pessoas que via
caminhando apressadas pelas calçadas.
Naquele dia o pai lhe preparou uma surpresa: quando Clarice
chegou à loja pela manhã conheceu pessoalmente o “Papai Noel”,
que se oferecera para vir todos os dias, para a sua alegria
e de todas as crianças na loja.
A partir de então, a garota passava horas perto daquele
senhor velhinho, com roupa vermelha e botas escuras, e que escutava com atenção
os pedidos das crianças que vinham à loja, se comprometendo a entregar a cada
uma o presente sonhado na noite de Natal. Tornaram-se amigos, e quando não
havia nenhum pedido a ser feito, ela mesma se sentava no colo dele e
conversavam sobre a fábrica de brinquedos no Polo Norte, os pedidos daquele
dia, ou onde estavam os anões e as renas do trenó.
O paciente senhor respondia a tudo com carinho, alimentando o
sonho da criança, pela simples vontade de ver o brilho em seus olhos escuros, e
a ansiedade que percebia no rostinho corado e feliz. Naqueles momentos ele se
esquecia da própria vida, e das saudades do único filho que teve, mas de quem
tinha se afastado há muitos anos. Ao final de cada dia de trabalho, voltava
para o asilo onde morava, se encolhia na estreita cama, e antes de cair em sono
profundo se lembrava da garota, e das conversas do dia. Algumas vezes levava
consigo biscoitos e doces que ela havia lhe dado, incapaz de resistir aos
apelos para que entregasse aos pequenos fabricantes de brinquedos que deviam
estar trabalhando muito para o Natal...
Na véspera do grande dia, Clarice entrou no escritório do pai
com rostinho sério, e contou sua aflição: o Papai Noel havia contado que só se
reencontrariam no próximo ano, quando chegasse de novo o Natal. A tristeza da
menina era evidente, e o pai percebeu que a menina se afeiçoara ao empregado,
na ilusão infantil de que se tratava realmente do famoso personagem. Incapaz de
negar-lhe qualquer alegria, prometeu à filha o que convidaria para a Ceia com a
família, e conversariam para ele a visitasse sempre durante o ano.
E assim foi feito, Papai Noel foi o convidado de honra
daquela noite tão especial para Clarice. Ele chegou por último, alegando que
teve de fazer algumas entregas pelo caminho, para que a menina não soubesse que
tivera de vir caminhando, e que sentia dores nas pernas pelo esforço.
Após o farto jantar, e a alegre distribuição de presentes,
Clarice se aproximou timidamente do amigo com um pequeno embrulho. Emocionado,
o velho deixou que ela enrolasse em seu pescoço o cachecol que comprara
especialmente para ele, e deixara juntos com todos os outros presentes até
aquele momento. O pai a lembrou que no Pólo Norte era muito frio, e com certeza
o presente seria usado sempre.
Surpreendendo a todos, Clarice argumentou que o presente
seria usado quando Papai Noel voltasse a ser o seu avô, na casa onde morava
sozinho. E para explicar o que dizia, correu até a estante e escolheu um porta
retrato entre os vários ali, com a fotografia onde se via seu pai, ainda jovem,
ao lado de um senhor mais velho, que diziam ser o seu avô.
“Mas como pode ser?” perguntou o pai da menina.
Lágrimas escorriam pela face do velho senhor, pela descoberta
do seu segredo, tramado para que pudesse estar um pouco mais perto do filho e
neta, embora eles não soubessem.
“Como você descobriu, minha criança?”
“Foi o meu pedido de Natal, eu queria ver o meu avô!”
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